Das desculpas:
Falava-se de direitos e deveres e chegou-se a certo tipo; o ardoroso defensor de direitos, mas finíssimo construtor de biombos no capítulo dos deveres. Nessas alturas, à modo de exemplo, alguém sacou, de invisível algibeira, esta pequena estória. Inventada, diga-se de passagem, e, por inventada, pode-se, com segurança, afirmar não ter liame nenhum com fatos ou seres reais havidos ou existentes pelos vales, montes, campos e mares deste variado mundo.
O exemplo:
Por não prover de água ou por negligenciar a dispersão do adubo sobre a leira, e vendo, o mau lavrador, resseca a plantinha, em esconjuro de culpa, mas com meias falas, faz denúncia do inexistente olhar de um infeliz envesgado ou o de não conhecida varoa. E de tal modo tenta fazer crer, que ele mesmo acaba por acreditar no desencilho pretendido culpando a jetatura.
A história:
O domingo, em sendo de Páscoa, reuniu os Sarttoris que, em reverência e atenção aos ancestrais, acolhiam e atendiam, com prazer e orgulho, os chamados do avoengo casal e este, desde sempre, apura a dedo os destinatários da honrosa concessão. No parque, sob enorme tenda, a mesa, com seus quarenta e oito lugares, rebrilhava em prataria, porcelana e cristal e, não longe, outra grande mesa, também acuradamente posta, esperava a petizada. Era Páscoa. A cozinha fervilhava com o singular balé de azafamados chefe e ajudantes em meio ao trescalante vapor dos grandes caldeirões, das imensas panelas e da esbraseante churrasqueira. Por toda a herdade, com alarido e em chusmas, corriam e brincavam uns ranchos de crianças. Era Páscoa. As procissões, jejuns e ofertórios haviam passado. A carne, por quarenta dias recusada em respeito à quadragésima, é, enfim, o prato principal, e o mais esperado.
O venerando casal, ele socorrendo-se do corrimão e ela amparando-se no braço dele, apareceu no alto da escada como que anunciando o início dos festejos. O fogueteiro, avisado, começou, no jardim, a queima de fogos. Em não esperando, a baronesa, ao primeiro trovoneio, assustou-se, perdeu o degrau e arrastando o marido rolou – rolaram – escada abaixo. Gritaria. Corre, corre. O que? Onde? Como? Os meninos? Quem? Uns sem entender os outros.
De contínuo o foguetório festeiro estralava, assoviando e luzindo até que, avisados, o fogueteiro e ajudantes pararam a queima.
Levou tempo, muito, para a chegada dos médicos que, após os exames de praxe, permitiram o translado dos corpos para a capela onde seriam velados.
Era festejo.
Era.
Virou velório.
Vindos não para festa, mas para carpir, chegaram outros parentes. Perdeu-se a alegria, mas não se perderam as iguarias que o estômago não quer saber se estamos festejando ou pranteando.
O epilogo:
Foi o fragor do estrondo que causou a queda, o tumulto e o de resto? Ou a culpa é de algum outro agente? Do obreiro fazedor dos fogos por tê-los feito tão fragorosos? Do vendedor que os vendeu sem avisar que estrondavam para valer? Do comprador que os trouxe sem pensar que o estardalhaço poderia ser, como foi, tão violento? Do fogueteiro que lhes pôs fogo e exultava com o estrondear? Do foguetão que explodiu espaventosamente? De não terem avisado à baronesa que haveria a troada?
E o requinte em matéria de escusa:
Foi “olho de jetatura”!