Os mestres – 2ª Parte

O

O Homem não era um religioso na acepção da palavra, mas acreditava em Deus.

Não esse Deus que fica eternamente sobre nuvens a ouvir harpas e cítaras tocadas por anjos. Não esse Deus que fez o mundo em seis dias e, desde o sétimo, esta descansando. Não esse Deus que recompensa com prêmios ou punições estabelecidos nos livros a Ele atribuídos. Não!

Acreditava em um Deus dinâmico. Um Deus que além de criar o universo o mantém em permanente equilíbrio com leis impossíveis de serem violadas ou revogadas por outro que não Ele. Um Deus que não promete nem ameaça, mas que, através do livre arbítrio, torna a criatura responsável. Esse era o Deus em que acreditava. Mas não se decidira por uma religião! E se perguntava: Devem os caminhos do homem passar pela porta de alguma igreja?

Será que pensar em Deus, como ele pensava, era o caminho? Acreditar que existe um Deus é o bastante? Deus está fora ou dentro de nos? Deus existe ou nós O criamos para ter onde entornar nossos medos e angustias?  Haverá um grau maior de percepção e, se houver, onde buscá-lo?

Andou muito, e por muito tempo, até que um dia encontrou o Mestre.

Não foi em um templo, nem numa gruta sombria, não foi na mata em meio à natureza e nem mesmo em uma ermida onde se poderia supor fosse o lugar de um Mestre. O Homem o encontrou sentado à sombra de um muro, próximo a um mosteiro.

Este não é o meu lugar, – disse o Mestre – mas eu sabia que você estava a caminho e sentei-me para esperá-lo. Porque veio à minha procura?

Mestre, quero ampliar a minha percepção dos mistérios.

E o que é percepção?

Não sei, Mestre. Quero aprender.

Levanta-te!

O Homem se levantou.

Agora diz-me: o que estas percebendo?

Meu peso sobre meus pés e pernas.

Que mais?

Minhas roupas sobre meu corpo.

Que mais?

O sol em meu rosto

A brisa em meus cabelos.

Algum tempo depois de o homem se calar o Mestre mandou-o sentar-se e disse – Veja, quando mandei que te erguesses foi para que teu corpo ficasse alerta e quando te pedi para descrever-me o que percebias esperei que todos os teus sensores estivessem em ação, mas tu só me falaste do tato. Onde estão os outros? O que fizeste com o olfato, paladar,  audição e, sobretudo, com a visão? Como esperas “ampliar” tua “percepção dos mistérios” se nem mesmo és capaz de abrir os caminhos da tua percepção deste mundo?

O Homem, cabeça baixa, sentiu-se ainda menor ante a tarefa escolhida. Resolveu, porém, não arredar pé.

E o Mestre disse: Vai e desenvolve teus sensores, mas lembra-te, não os estimule! Usa-os apenas e observa como é o mundo para cada um deles. Supõe que estejas privado de todos os órgãos sensoriais exceto a audição. Como seria o mundo para ti? Agora vai e quando te julgares capaz de usar todos os teus sentidos, volta. Estarei aqui.

O Homem ergueu-se.

Antes diga-me. Quantos sensores tens?

O Homem pensou um pouco e respondeu – cinco.

Quais são?

Visão, olfato, paladar, tato e audição.

Mas não perceberias um mundo diferente se, ao invés de apenas um, usasses dois sentidos ao mesmo tempo? O mundo percebido através da visão aliada a audição seria diferente de um mundo sentido por audição mais tato, não é? E não seria outro o mundo mostrado por nosso paladar mais o olfato? E que mundo perceberíamos utilizando visão, audição e tato? Seria igual ao mundo mostrado por tato, paladar e olfato?

Compreendi Mestre.

Então vai.

O Homem foi e andou por muitos caminhos, sempre observando o modo com que o mundo se mostrava aos seus sentidos.

Muito tempo depois o Homem voltou. O Mestre lá estava, mas desta vez o sol da manhã desenhava a figura dele em sombra no muro do mosteiro.

Senta-te ali, de frente para o muro. Diz o que vês.

Vejo um muro batido de sol.

Que mais?

A tua e a minha sombra sobre ele.

Que mais?

Manchas e falhas na pintura, trincas no reboco…

Algo mais?

Sinto o perfume das folhas e flores, o calor do sol em meu corpo, as pequenas pedras e a areia sobre as quais estou, ouço os pássaros e o farfalhar das folhas, a tua voz quando falas …

Então espera e quando vires algo mais que o muro estarás ampliando a tua percepção.

O tempo passou. À noite o Homem dormia e durante o dia sentava-se, com todos os sentidos em alerta, diante do muro. Ele não sabe quanto tempo esteve lá olhando o muro até que, um dia, o muro começou a mover-se. Movia-se da esquerda para a direita, a principio devagar e depois, a cada vez, com mais e mais velocidade.

O Mestre levantou-se, chegou-se ao Homem, fez com que o muro parasse e disse

Agora continua esperando e quando vires a porta da tua percepção entra por ela e conhecerás o universo. Isso te será  possível porque aprendestes a observar e agora  conheces o mundo em que estas. Caminhou na direção do muro e desapareceu dentro dele.

O Homem continuou sentado e o muro recomeçou o movimento. Era como um trem todo branco e sem janelas passando por ele. Depois de muito tempo ele começou a perceber que, de vez em quando, algo passava por ele sem que pudesse ver o que era por causa da velocidade do muro. Fixou o olhar para a esquerda e quando aquilo reapareceu acompanhou-o e pode ver que era uma porta.

O muro, então, diminuiu bem a velocidade. A porta tornou a aparecer, parou diante dele e abriu-se, dando-lhe passagem. Ele caminhou, atravessou o limiar e, no segundo seguinte, estava sentado exatamente no lugar onde estivera o Mestre e sabia, finalmente, que igrejas são caminhos, tão bons quanto o que ele palmilhara para chegar onde estava, mas apenas caminhos.

Levantou-se e, com um longo suspiro, começou a caminhar de volta para a casa. Algum dia, alguém teria algo a lhe perguntar e ele saberia o que e como responder.

Sobre o autor

Antonio Naddeo

Há 68 anos, em 1950 surgia o ator, moldado até então pelas máquinas em uma indústria de cartonagem. Aos 16 anos passa a ser moldado pelo palco, pelos scripts e por uma incansável vontade de aprender.

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Por Antonio Naddeo

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Antonio Naddeo

Há 68 anos, em 1950 surgia o ator, moldado até então pelas máquinas em uma indústria de cartonagem. Aos 16 anos passa a ser moldado pelo palco, pelos scripts e por uma incansável vontade de aprender.