Antes de mais nada é bom explicar que os fatos, nomes, locais, e outras citações saíram de um cérebro não muito fértil em matéria de imaginação, mas nada têm a ver com os fatos, nomes, locais, e citações que por ventura existam, existiram ou venham a existir neste nosso pequeno grande mundo No de resto, e se possível, divirtam-se com o diálogo ocorrido durante uma visita médica do Dr. Breno.
– Isturdia o Mané Gota tava saíno co’a charretinha dele mó de í nas Imbaúba levá uns trem de trocá…
– Endireita o corpo pra eu poder fazer a auscultação direito.
– Ansim?
– É
– Mas ele tava saíno…
– Espere… respira forte… de novo… isso.
-Mas ele tava saíno e quano chegô na portera, em antes dele apeiá, o Cambeta, qui em vinha passano pra í tomém nas Imbaúba, gritô ele qui sussegasse na charrete, e foi, e abriu a portera…
– Estica e descobre a perna pra eu ver como é qui está.
– Ixi… regaçá essa carça… Só com arguém de socorro…
– Porque? A perna doi?
– Não sinhô, é qui a Siana feiz a boca pequena demais da conta. Prum lado é bão mó de ela fica infiada nas bota mas por ôtro… Oxi… Tá í, ó…
– Hum… Tá bom.
– Ara… Eu pudia dizê isso! Num carecia essa trabaiêra toda de arregaçá as carça…
– E a unha?
– Que qui tem ela?
– Ainda não sei. Tira a bota.
– Êta qui é ôtro “Deus me ajude”. Tomára qui num seje só pro sinhô dizê: “Hum… tá bão”. Oxi… Taí ó. A unha tomô essa cor de beterraba cunzidinha feito se eu tivesse pintado ela cum ismarte…
– Esta evoluindo bem. Você tem um organismo forte Genivaldo.
– Mas aí, com’a portera vorta de si…
– A porteira volta o que?
– De si… Só ela só… Qué dizê, sem carecê de ajuda…
– Hum…
– No qui a charretinha passô o Cambeta, num pulo, sem pidi nem arrecebê licença, já tava na boléia. As mola amorgô e a cara do Mané amorgô mais ainda e vai o Cambeta se feiz de avoado, como coisa qui a cara feia do Gota num era com ele e inda deu uma balançadinha exprementado o corchoado do assento. Mané Gota tinha qui pagá o favor da abrida da portera, oiô meio descoroçoado pro burrinho, qui tomém tinha amorgado um tico, deu nas rédea e começô maquiná num jeito do Cambeta apeiá em antes de chegá na subida da Cerca Torta…
– Licença… Olha, você está bem… Quer dizer… Não tem nada que justifique uma consulta médica…
– E a unha?
– Está quase solta. Debaixo dela já tem outra nova. Daqui a mais dois ou três dias ela cai. Não faça a besteira de puxá-la porque pode ferir a pele onde ela ainda está presa e um ferimento, por menor que seja, pode infeccionar. Os exames seus e de D. Emerenciana estão normais. Se precisar mandem me chamar. Mas… Aí o Cambeta…
– Siana… Ô Siana. Traiz um café pro Dotô Breno qui já tá aqui arrumando os trem na malinha dele.
– Vamo lá pra sala qui a Tica já ponhô a mesa co’as quitanda.
– Não se preocupe não D. Emerenciana, eu já estou quase de saída. Estou só esperando acabar a história do Cambeta.
– Ixe… Só sai daqui no dispois da janta.
– Eu abreveio o causo.
– Não seja por isso. Daqui eu vou para casa, não tenho mais nenhum paciente pra ver. E depois, eu gosto de ouvir seus casos.
– Ixe… agora, qui o sinhô deu asa, ele vai floriá e isticá o causo té…
-Eu num tô sintino chêro de coisa queimano no forninho não, Siana?
Tá não, qui a Tica tá lá, tomano conta do forninho e dos quê mais qui nós tamo fazeno.
– Hum… o Gota arrecebeu, numa barganha, um burrinho muiudinho, tão pititinho qui ponharo nome nele de Musquito e, aí feiz a charretinha pra cumbiná e caprichô. Ela é pititinha, um mimo, só o sinhô vendo. Tem mola, capota, aparadô de lama, arreio de côro com ferrage imitano prata; foi ele mesmo qui feiz tudo, de menos as roda qui ele usô as da motocicreta. Gastô um tempo dilatado mó de fazê por causa qui cada coisa tinha qui sê mais melhó e mais bunita qui a ôtra e quano cabô nem a Tuda, a muié dele, pôde amuntá na charretinha.
– Porque? Ele tem tanto ciúme assim da charrete?
– Tem… ah isso tem. Mas num é por ciumada dele não, é qui ela tem medo de quebrá a charretinha. Diz qui quano eles casô, vai pruns trinta ano ô mais, ele pesava sessenta e ela uns quarent’e cinco, mas hoje, é ele qui pesa quarent’e cinco e ela ó… ó…
– Nivardo… ói a lingua…
– E eu tô falando coisa qui num é? Tô falando verdade… e quem fala verdade… A Tuda num arcança, de artura, nem o lombo do Musquito e tá com mais de uns noventa!!
– Arreliá dos ôtro num é falá verdade…
– Num tô arreliano di ninguém.
– Se o caso demorar muito, quem vai sair daqui com noventa ou cem quilos sou eu.
– Ah, num faiz cirimônha não, dotô Breno, faiz gosto na gente vê as pessoa comeno com gosto as coisa qui a gente faiz.
– Estas broinhas…
– Mas lá ia o Mané Gota, e cada veiz qui oiava pro Cambeta, passava a mão no peito, como quem tá com dor no coração. Em antes da ponte do corguinho, em onde qui começa o tópe da Cerca Torta, tem a curva da Capelinha. O Dotô já deva ter visto aquela capelinha co’a Nos’Sinhora do Socôrro…
– Já vi sim, e é muito bonita, muito bem cuidada…
– Quano nóis comprô essas terra, ela já tava lá, só qui, tadinha, no tempo e em cima dum tôco. Aí o Nivardo chamô os pessoar das redondeza e nóis fêz a capelinha…
– Quem cuida é o povo qui passa lá. Cada um faiz uma coisa e a capelinha tá sempre bunita. Pois, no qui a charretinha cabô de fazê a curva, quem é qui eles viu lá, nesse dia, rezano e ajeitando as coisinha de Nos’Sinhora?
– Posso dar um palpite?
– Se acertá sai daqui com o melhó leitão qui tivé na pocilga.
– A espôsa do Cambeta.
– Tá loooonge qui só… A Siá Neném num sai de casa nem pra rezá… ela…
– Nivardo…!!!
– Vá arrumá pra lá, Siana. Eu tô contano um causo, num tô falano mar… ela num sai de casa mó de qui num iscuita dereito e tem vergonha disso.
– É muito longe a casa do Cambeta?
– Nada. Daí, donde o sinhô tá, dá pra vê, da jinela, o préidio da Comperativa. Prá riba um tiquinho tem um capoerão de arve… é lá.
– Ela já consultou algum médico a respeito dessa surdez?
– Sei não, Dotô Breno.
– Qual é a idade dela, você sabe?
– Ah… Ô Siana, cê sabe?
– Ela é de menos qui eu uns deiz… Deva tá co’uns…quarent’e seis quarent’e oito.
– E faz tempo qui ela é surda?
– Deva tê uns deiz…
– Hum… mas quem é qui estava rezando na capelinha, Genivaldo?
– Nem lhe conto. Era o Padre Véio…
– Ele se chama Padre João… num é…
– Eu sei Siana, mas o povo chama ele de Padre Véio por causa qui tem muitos anos qui ele em veio pras Imbaúba. Já passô dois padre lá, com o Padre Vito é treis, mas o Padre Véio nunca foi embora.
– Mas um padre rezando em uma capelinha não consagrada…
– Ah… o Padre Véio é devoto de Nos’Sinhora do Socorro e já quiz fazê ali uma capela de verdade cum artar pra Nos’Sinhora, mas o bispo tem qui dá torização e o Padre Vito inda num pidiu por causa qui premero tem qui vê se ganha o terreno.
– Mas o padre… João né? Estava rezando, e daí?
– Abreveia essa históra qui o dotô Breno tá…
– Não, não… fique tranquila D. Emenrenciana. Quer dizer… se eu não estiver causando algum incomodo….
– Nada… Tá é dando prazê pra gente.
– No qui viu a charretinha o Padre Véio cabó de se benzê e foi correndinho pro meio da estrada pro Gota tê de pará. Aí, alisando o Musquito foi falano: “Deus seje lovado, qui essa condução chegô mandada por Ele”. E aí foi se achegando pro lado do Cambeta e mandando: “Chegue pra lá, meu fio, e dê lugar pra mais um qui num tem mais onde doê de cansado”. O Gota deu uma coçada de cabeça qui quaiji rancô os cabelo, fungô, mas num teve corage de dizê um “ai”. O Padre Véio viu o disgôsto do Gota mas feiz coisa qui num era com ele e o Cambeta ganhô um cumpanhêro qui era mais destaramelado qui ele.
– Mas, na Charrete couberam os três?
– Munto arrochado mas cabeu! O Padre Véio é mais piqueno inda qui o “Gota”. Só qui treis piqueno faiz mais de um grande e quem sintiu isso foi, premero o Musquito, qui já tava mais qui sojigado nos arreio, dispois as mola da charretinha, qui já tava dexano rastá o aparadô de lama nas roda e, por úrtimo, o freio das roda qui tava cumeçando a dislizá na descidinha qui vai da curva da capelinha té a ponte do corguinho. O Musquito tenteava de cá, segurava de lá, fincava o quatro pé, mas o peso da charrete era tanto qui nu tentá sigurá o burrinho chegava a fazê vala co’s casco no chão de massapé vermelho. A charretinha chegô meia de banda na ponte, a roda rasvalô no tabuado e parô na tauba da berada. Eita qui o tombo, se tivesse, ia sê de uns treis metro de artura pra dentro do corguinho.
– Aquela ponte é muito perigosa por falta de muretas.
– Mas é sigura. O Zé Já Foi, qui faiz a linha do leite, passa ali duas veiz por dia co caminhão dele trazendo leite pra comperativa.
– Já deixei de me espantar com os nomes que vocês arranjam, mas “Zé Já Foi”?
– É por causa qui, quando ele apanha os latão nas portera, ele grita bem arto pros retirero iscuitá: “Já foi”.
– Ah.
– Dispois da ponte, quando começa a subida da Cerca Torta, o Musquito parô. O Gota num martrata das criação dele, mas ele tava tão avexado qui dispois de um tempo, consentiu em dá umas duas relhada no Musquito. O bicho sintiu, oiô pa traiz e falô…
– Êpa!!! Espera aí Genivaldo, você não quer que eu acredite que esse burrinho falou mesmo, não é?
– Agora é qu’eu quero vê qui rumo ocê toma pra saí desse ispinhêro…
– Uái, Siana, ocê já sabe dessa históra em verso e prosa, alembra? Quem contô foi o Cambeta aqui mesmo nessa mesa, num foi?
– A históra do Cambeta eu alembro, mas essa, qui ocê tá contano, já largô aquela pra lá do mais pra lá.
– Cê fala anssim e o Dotô Breno vai achá qu’eu tô falano mintira.
– Mintira não qui ocê num é mintiroso… mas… qui tá froriano demais da conta, isso tá. Agora faiz o Musquito falá qu’eu quero vê…
– Ocê sabe quei ele num falô e o Dotô Breno tomém sabe, mas é como se ele tivesse falado: “Ói gente, o burro aqui é eu, intão vê se ocês bota as cabeça pra funcioná e apêia todo mundo qui é pra ficá manêro de subí”. E ficô parado, isperano.
– E aí? O pessoal desceu?
– Quar nada. O Padre Véio, co’s achaque lá dele, queria mais é qui o mundo acabasse em sombra prele morrê fresquinho; o Cambeta, qui sente dificulidade de andá co’aquelas perna torta…
– Nivardo!!
– Uái, foi ele mesmo qui falô isso aqui, num foi?
– Falô divéra? Qué dizê… Tem precisão de falá nessa manera de arguém qui já carrega uma cruiz como aquela?
– O Cambeta deu uma ajeitadinha no banco e, mesmo qui o Musquito falasse divéra, num era ele qui ia iscuitá. Aí ficô os treis lá, encarapitado na charretinha, sem saí do lugá. O Gota chegava qui suava. Queria, mas tinha medo de mandá os ôtro apeiá. O Cambeta, pra num vê a cara de desacorôço do Gota, fazia de conta qui prestava atenção no Padre Véio e o Padre Véio, pra disfarçá, já tinha contado a históra de Jó e tava inveredano pela históra do Bom Samaritano. Só o Musquito num dava acordo de si. Oiô umas duas veiz pra charretinha, baxô a cabeça, começô a mascá o capim comido em antes e logo logo tava cochilano.
– E ninguém tomou nenhuma iniciativa?
– Vai iscuitano. O Mané Gota viu qui, se num maquinasse um jeito, cabava o tempo da fêra e ele num tinha trocado nada, intão sortô as corrente dos freio, prendeu as rédea no bracinho do assento, apeiô, foi lá na frente, cuchichô na orêia do Musquito, foi lá atraiz e começô a impurrá a charretinha. Os ôtros dois feiz de conta qui nem num viu o quê qui tava aconteceno. O Musquito, quano viu qui a carga ficô mais leve, começô a puxá e lá foi. O Musquito puxano, o Gota impurrano e os otros dois papeano in riba da Charretinha. Quano deu fé, eles tava no arto da subida. O Mané Gota, botano os bófe pela boca, parô, discansô um tiquinho, acendeu um pito, foi lá na frente e cuchichô de novo na orêia do Musquito e foi aí Dotô Breno… foi aí qui a coisa pretejô mais qui em noite sem lua…
– O Gota botou os outros dois pra correr?
– Nada sô… o Gota arrespeita demais da conta os padre. Quem arreliô com os dois foi o Musquito. No qui o Gota cabô de falá na orêia dele, ele começô a carcoveá, a jogá os pé pra trais dando coice, derribô o Padre Véio mais o Cambeta e disparô qui só foi pará na rua da fêra. E lá ficô, ruminano e cuchilano. Veiz em quando raspava o fucinho no morão de cerca do Mercadinho.
– E o qui houve com os três que ficaram na estrada?
– O Gota, tornô a acendê o pito e se dismanchô em discurpa mas num teve jeito. O Padre excumungô ele falando qui ele tinha dado orde pro Musquito fazê aquilo e o Cambeta té hoje, quando passa pelo Gota, fala: “um dia cê hai de mi contá o qui foi qui ocê falô co’aquele disgramado daquele burro”. E o Gota responde: “Nem o Padre Véio ia intendê. Eu conversei com o Musquito em fala de burro e só burro intende o qu’eu falei. Ocê num é burro, é?”
– Essa nem eu entendo. Porque o Mosquito ficou bravo daquele jeito?
– Eu tamém num sei, qui o Gota num contô pra ninguém, mas cogito qui ele socô foi a brasa do pito nas venta do Musquito e aí… num hai burro qui agüente.
– É… é bem possível. Bom, tenho que ir.
– Tica… ô Tica
– ‘Nhora…
– Traiz aí as quitanda pro Dotô Breno levá.
– Não se dê ao trabalho não D. Emerenciana…
– Num é trabalho não Dotô Breno. Já tá tudo pronto. Ta aquí ó. É só umas bobaginha pro sinhô levá pra sua dona.
– Então muito obrigado. E não se esqueçam, qualquer coisa mandem me chamar.
– Vai com Deus Dotô Breno.
– Fiquem com Deus.
…..
– Treis coisa. Premero: Num fui eu qui fiz a boca das carça pequena não, foi ocê qui ingordô mais qui leitão na ceva; Dois, se tem verdade qui num carece sê falada tem ôtras qui a gente tem qui falá e treis, a históra do pito ocê num carece de “cogitá” por causa qui ocê sabe.
– Tá bão mas, se eu falasse qui sei, ele ia querê sabê comé qu’eu sei e aí eu ia tê qui ixpricá qui era eu qui tava lá e não o Cambeta.
– E ocê acha qui ele num sabe? Ocê ponhô tanto bordado na históra qui só quem tava lá, e viu tudo, era capaiz.
– !?!?!?