– Esse seu dedo está mesmo com uma cara bem feia, não está?
– É só a cara dotô Bereno, que o de resto num tá nem doeno pur causo que eu tô passano óleo di Arnica.
– Ô Genebaldo até hoje você não aprendeu o meu nome? Não é Bereno, é Breno.
– Grandes coisa, o sinhô tomem num aprendeu o meu! Eu chamo é Genivardo. Genebardo é o cumpadre do fio da Siá Maria dos Anjo.
– Sei, mas eu o estou chamando de Genebaldo pra você ver como é chato. Então estamos entendidos. Você me chama de Breno que eu não chamo você de Genebaldo, tá bem?
– Tá bem, mas o sinhô em veio cá pra insiná nome ô pra curá essa unha?
– O que foi que houve com esse dedo?
– Nem lhe conto. O major Balarmino me deu de presente uma bota gaúcha, dessas de cano arto e com renda de prata, prá cumbiná cos arreio qui tem renda de prata no Santantonho e nos estrivo.
– Sei. Olhe Genivaldo, eu vou ter que acabar de arrancar essa sua unha.
– E vai doê?
– Não porque eu posso dar uma anestesia local. Mas antes eu tenho que saber de umas coisas.
– Ei, ei, ei… já vai começá a perguntação…
– Perguntação só não, eu vou ter que tirar um pouco do seu sangue prá ver como é que está a sua glicose e vou precisar um pouco de urina prá outros exames.
– Mas é já que o sinhô me pede um pouco de cocô, qué vê?
– Vou precisar de fezes também sim. E por falar nisso a D. Emerenciana também vai ter que me dar um pouco de sangue, fezes e urina.
– O sinhô tá achano que a Siana tá cum arguma coisa?
– Não, ela parece estar bem melhor do que você. Mas é bom prevenir.
– Eu tenho nada não. Só esse dedo…
– Você não me contou como foi que arrebentou essa unha.
– Ah! Puis é. Eu mais a Siana, quando é no domingo, vamo na missa do padre Belizaro, na igreja de São Sebastião.
– Todos os domingos?
– É.
– Respira forte… mais forte… assim. Puxa o ar e segura… isso. Pode respirar normal. Mas não é muito longe? A igreja de S. Sebastião é aquela da vila das Imbaúbas?
– Eles fala é currutela das Imbaúba por causa que no de fato num é vila mesmo não. É longe nada. Eu mais a Siana, em dia de sor, fazemo esse caminho cum hora e meia ô duas pur causa qui a gente vem prosiano, cantano, priciano as pranta, us passarim… Cum chuva a gente corre e demora menos.
– Mesmo com chuva vocês vão á missa?
– Uái… cumé que a gente vai num í? É nos dia de chuva que a gente amostra pra Deus que é agradecido. Já pensô numa róça sem áugua?
– Abra a boca, deixa eu ver sua lingua…
– É a unha que ká uím…
– Espera eu terminar…
– Ess áuinho aí…
– Espera… pronto já terminei.
– É a unha que tá ruím e essa porquêra desse pausinho aí…
– Isto não é um pausinho, é abaixador de lingua…
– Devia de chamá coçadô de garganta… quaigi me feiz vumitá.
– Bom, você e a D. Emerenciana vão à missa aos domingos, e daí?
– Daí que a Siana acismô que eu devia de carçá as bota nova… E que eu devia de ponhá o terno riscado… E que anssim ela ia podê í co vistido de tafetá branco… E que ela podia ponhá o sapato de fivelinha dorada… E que num sei mais o quê, e num sei mais quê. Eu sei é que foi um banzé de cuia e nois perdeu mais de meia hora se aprontando pra í pra igreja. Quando nois saiu o dia já tava botano cara e os pessoar tinha sumido no boquerão da invernada…
– Que pessoal? Espera… deixa a perna esticada… assim.
– É os pessoar da comperativa…
– Que manchas são essas? Você bateu com essa perna em algum lugar?
– Ah… é que antonte eu fui rachá lenha e o machado, mais cego qui topêra nu iscuro, rasvalô, feiz o tôco pulá prá riba i, nu qui vortô, o fêdamãe do tôco panhô minha perna… mas já parô de doê, que eu num sô bobo e ponhei Arnica.
– É… mas foi uma boa luxação. Dói aqui?
– Num já falei que parô de doê?
– Hum… nem apertando?
– Nem…
– Mas aí chegaram na igreja…
– É… Mas foi no depois… a Siana gosta de andá lá pela currutéla, vendo as comadre e os afilhado. Só lá nóis tem três. Depois nóis vamo inté a fêra, trocá umas coisinha…
– Quer dizer que além de irem a pé ainda carregam coisas para trocar na feira?
– É, mas é coisa de somenos. Umas renda de bilro, umas rapadura, uma corcha de tear, uns quêjo quano tem…
– Hum… aí vocês foram a feira. Fica de pé. Deixa eu ver essa sua coluna.
– Nessa veiz troquemo poca coisa mas, nu meio delas, enveio um raidião de pia que tinha inté gravadô de fita. Bindito raidio, se eu sabesse no quê qui ia dá num tinha panhado ele.. E lá vem nóis cos pessoar, se rino, tocano…
– Tocando? Você toca o que, Genivaldo?
– Eu nada, quem toca é o Zé Já Foi, e ói, quano ele toca té os passarim pára pra iscuitá. Mas nóis em vem se rino, o Zé Já Foi tocano…
– Fica em um pé só, deixa eu ver…
– … se rino, tocano
– Pode por o pé no chão, fecha os olhos e balança a cabeça umas duas ou três vezes… isso. Você ficou zonzo?
– Não… mas nóis em vinha…
– Eu sei, rindo e tocando…E o que foi que houve?
– Quando nóis saiu da Rua, me deu uma pena danada de ponhá aquelas bota no chão di terra. Sa comé, pedra, poera, bosta de vaca e de cavalo, sem falá nos brejo que das veiz temo que cortá…
– Estes copinhos de plástico são para colher a urina e as fezes. Um de cada um para você e os outros dois para dona Emerenciana. Agora prepara o braço que eu vou…
– Ô dotô, essas coisiquinha aí num vai dá pra nóis não, a Siana mais eu, come que é uma barbaridade e, aí, o sinhô já viu que no dispois…
– Não é preciso por tudo aí dentro não. Basta só um tiquinho. Mas olhe, tá vendo essas pázinhas? É com elas que vocês vão colher as fezes pra pôr aí dentro e tudo tem que estar muito limpinho. Por isso só desembrulhe na hora de colher e depois embrulhe com esse mesmo plástico e feche bem direitinho.
– E já se viu usá cullhé pra panhá bosta?
– Bom, você tem que dar um jeito. Essa “bosta” vai ser examinada e quanto mais limpa ela estiver… quer dizer, quanto menos coisas encostar nela é melhor.
– Premera veiz que eu iscuito falá de bosta limpa.
– Bom, você teve pena de usar as botas no chão de terra, e daí.
– Daí que foi um pandemonho pra pode tirá as bota por causo que Siana num queria dexá de jeito manera. Meaçô té de num vortá pra casa, mas no que viu que eu já tinha tirado, quietô, imburrô, maisi em veio. Só que ela tava ranjano imbondo e eu num ponhei tento. Quano nóis chegô no campo das guaibêra, ela já tava caminhano bem na frente co as muié dos pessoar da comperativa e eu divurguei que ela parô bem perto duma guaiabêra, mexeu ni quarqué coisa e saiu dipressinha, andando de fasto co as muié cumpanhando ela. Quando nóis, a homaiada, cheguemo perto da guaiabêra a Siana deu um repelão na linha de pescá que ela tava desenrolano e a caxa de marimbondo cavalo caiu e se esborrachô bem do lado de nóis… Eita que foi um bando de cabra macho jugano pro ar os embrúio, os emborná, sacola, istrumento, gritano e ponhando o pé na istrada e as muié já no longe, no seguro, se rino feito se elas tivesse no circo de cavalinho. Tivemo que sentá nas pedra da curva grande e isperá os bicho amainá pra podê panhá as coisa e i pra casa curá os vergão das ferroada. Tristeza foi, e munta, na hora de juntá as coisa. A viola de deiz corda, do Zé Já Foi, tava em duas no chão. Essa xiringona sua aí dexô pulo meno argum sangue nas minha vêia?
– Pare de reclamar e termina de contar a história desse seu dedo.
– Quano o sinhô pará de ri lhe conto.
– Ta bom, desculpe, mas eu estou rindo não é de você é “com” você.
– Queria vê o sinhô ri se tivesse lá. Foi muita mardade da Siana. Ah mas eu tô vingado! O diacho é que pra me vingá eu quaigi qui perdi o dedo.
– Ué, como foi essa vingança?
– Quano eu vi o que a Siana tinha feito me subiu uma réiva que me ponhô meio sem juizo aí eu abri os braço, fazeno de conta que tava ispantando os marimbondo e sortei o raidio dela no chão pra ele quebrá divéra… E isqueci de tirá o pé debaxo… Êita que corrê de marimbondo, discarço e co dedão istorado, foi um “Deus me chame que eu num quero mais brincá”.
– O pessoal da cooperativa não quis brigar com a D. Emerenciana, não?
– Nada sô. Só o Zé Já Foi que ficô meio arreliado. Aí nóis se juntemo na comperativa, compremo ôtra viola pra ele e tudo cabô em festa e cantoría.
– Bom, eu vou indo. Fique com Deus. Dê meu até logo à D. Emerenciana.
– É cêdo inda.
– Não, tem muita gente pra eu ver ainda hoje e eu preciso levar este seu sangue para exame o mais depressa que eu puder. Então não esquece, amanhã eu passo aqui, examino a D. Emerenciana, apanho o material e levo para o laboratório.
– E a unha?
– Quando os exames ficarem prontos eu volto aqui para extrai-la, se ela ainda não tiver caído.
– E o de resto?
– Parece que está tudo bem. Mas depois dos exames eu lhe digo com certeza.
– Tá bom, vô fazê força pra num morrê inté lá.
……………………..
– Cê tá’í tem munto tempo, Siana?
– Pôco, mas deu pra iscutá um pôco das mintirada sua.
– Mintirada não, eu só froriei um pôco a históra, mas qui ocê dirrubô divéra a casa de marimbondo perto de nois, dirrubô, num foi?
– Só que o froreio foi tanto que dava pra infeitá o artá, mais a capela e inda sobrava frô pra prucissão.
– Mas ocê dirrubô, num dirrubô?
– Dirrubei, mas ela tava tão seca e tão vasca que se um cristão carecesse de um marimbondo pra reméidio ia morrê por falta.
– É mas nóis só sôbe disso dispois, por causa que na hora deu o susto…
– Nóis quem? Tava só ieu e ocê lá! Os pessoar da comperativa já tinha se ído. Ocê ponhô eles na históra só pra dividi as vergonha num foi?
– Tá bom, tinha frô demais da conta no froreado… mas comé qu’eu ia contá, no sêco: Ói, dotô Breno, fui corrê dos marimbondo que num ixstia i dei uma topada num tôco de guaibêra qui tava iscondido nu mato ralo?
– Anssim, quenem ocê tá contano agora!
– Num ia tê graça. E falá nisso, ele em vem amenhã de novo. Que causo qu’eu vô contá?