… e a criança, intrigada, ao pai perguntou: “O que é o ser humano?” Mas o pai, que estava calado, calado ficou.
A criança quer o escopo da vida.
Onde encontrá-lo?
Palavras como liberdade, verdade, justiça, consciència, amor, deveres e direitos formam, com outras, a camada de abstracionismos em que mergulhamos quando pretendemos perceber a essência do ser humano.
Não sabemos como ou quando o ser se transformou em humano e nem mesmo o que era antes disso.
Sabemos que, em algum ponto do passado, uma centelha brilhou entre as circunvoluções da massa cinzenta e o Ser passou a pensar.
De onde veio a centelha?
Deus? Um curto-circuíto entre neurônios? Uma experiência da natureza? Uma inteligência interplanetária? Interestelar? Intergaláctica?
Concretamente há um fato: O Ser passou a racionalizar e deu a si mesmo um título: Humano; e uma tarefa: compreender.
Clarice Lispector disse:
“Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento.”
Mas entender é condição do ser pensante e até mesmo esse belissimo pensamento Linspectoriano deve ser entendido para que toda a beleza, expressa pelo conceito que encerra, seja apreendida.
O Ser consegue, hoje, entender grande parte da vastidão universal porque encontrou respostas para muitas das questões inicialmente formuladas, mas percebe que a cada nova resposta surgem outras perguntas. Sabe, tambem, que não há como parar. A fagulha inicial perdura. Não mais como centelha, mas como brilhante chama aquecendo e iluminando as sendas da procura.
E é nessas estreitas vielas, eivadas de tropeços e desvios, ou nas largas estradas, atapetadas pelo conhecimento anterior, que se faz necessária a observação dos princípios contidos naquelas “abstrações”.
Não pode, o Ser, guardar para si mesmo o que aprende. Não deve esquecer que o caminho percorrido hoje foi aberto por outro. Precisa estar consciente da própria finitude para legar ao amanhã o que recebeu do ontem somado ao hoje. Nisso reside a grandeza de ser humano. Nisso está a essência do viver.
Mas a herança, acumulada e retransmitida por incontáveis gerações que antecederam o Ser atual, ainda está conspurcada por leis, normas e costumes que, em que pesem as diferenças culturais, podem ser considerados perniciosos ou, quando nada, ruins e desnecessários.
Entender, acrisolar e retransmitir essa herança, tendo em conta a vasta diversificação de ambientes, grupos sociais, interesses políticos e econômicos, é o inarredável encargo que o privilégio do conhecimento impõe a cada ser. Desincumbir-se desse dever, com o que de melhor tenha para tanto, é o que confere a ele o direito de se considerar humano e a prerrogativa de ser considerado digno.