Oi, Irmão Tôco
Oi, sô Ontonho, faiz tempo né?
É… eu ando meio ocupado.
Eu tomem…
Ué… como é que você pode estar ocupado se fica aí, deitado…
Ah mais aí é que tá. Cunheço gente que mermo tano drumindo tá acupado, quanto mais eu que num drumo.
É… você tem razão.
Puis é. Já vi um passarim, – um anum – quáiji que batê nesse muro de venaría que ocês ponharo aí. Ele enveio meio de cambuiada, acossando um gato. Quano chegaro no muro o gato disvirô pa banda de acolá e o anum quáiji que num teve tempo de arribá, a mó di num trombá co muro. Gato é um bicho isperto. Tô pra lhe dizê que esse um feiz a coisa de causo pensado, mó di que, na merma da hora, ele parô e ficô oiando; quano o passarim passô , se dispenando, pelo topo do muro, o gato feiz uma cara de disacorçôo e foi simbora.
Capaz, mas vá lá saber como é que os animais pensam.
Uns arguém pur aí eu sei que sabe e faiz boca di mico pru mó di num sê chamado de leso.
Mas e você? Alguma queixa?
Quem é eu prá si quexá?! E agora nem num delata muito pra eu num sê mais eu…
Como é isso irmão Tôco?
Num vê? As água chegô, o sór bota um oio di fora, dá uma isquentadinha, torna a si imbruiá nas nuve e, nu calorzinho moiado que ficô, a bicharadinha muiuda envem dimudá eu em pó. Já tô co uns ôco aqui, que, pra cabê o mundo, poco farta.
Mas está vivo.
Uai… i no que eu virá pó num vô tá não?
Vai?
Já tá o sinhô quereno uma réstia de vê adiante.
Foi você quem me cutucou com sua pergunta.
Tá bão…agora eu sô curpado de fazê o sinhô pensá.
Não é isso, você está virando pó e a pergunta é: continuará vivo quando for pó? Ou cada grãozinho terá vida própria?
Isso eu num sei não sinhô, mais vô lhe contá uma historia. Diz que, nos muito antigamente, o que tinha era só um ovo. Diz tomem que num tinha nenhum nada no redor desse um e que ele era muito do piquitito, tão muidinho que um monte deles, si tivesse, num dava pra fazê nem um cisco de cisco. Vai intão, o menos que cisco de cisco panhô muita réiva da sozinhêz que ele tava, tomô um fôrgo …
Forgo?
De ar…
Ah… fôlego… mas onde ele foi buscar o ar se não tinha nada ao redor dele?
Num carecia de panhá ni lugar nenhum não, mó de que ele tinha de um tudo lá nele…
Espera, se ele tinha “de um tudo”, nele mesmo, então não estava sozinho…
É que o “de um tudo” inda num era coisa, era só pensamento. Carecia que o ovo falasse: “ocê é isso, cê vai sê aquilo, cê hai de sê aquilo outro…” prás coisa dexá de sê pensamento e sê coisa de ocês, que é gente, podê ponhá as mão. Vai intão que ele panhô o fôrgo, isquentô muitas veiz mais que brasa assoprada e… pipocô feito fuguete de istrondo em dia de São João…
Deve ter sido um “pipôco” e tanto!
Si foi… quarqué fuguetero, que désse conta de um pipôco que nem aquele, havéra de panhá nome té prá mais de légua e meia dispois do fim do sertão.
E depois do pipôco, o ovo, “aquele um”, acabou?
Não sinhô. Os de um tudo, que tava lá nele, se ispaiô mais que cinza num pé de vento e o ovo foi falano…
Mas se o ovo explodiu como é que “ele foi falando”?
O sinhô vigia… nesse mundo, e inté prá mais de légua e meia nos ôco de fora dele, tem umas lei que as coisa num pode dexá de ponhá tento. Tem uma que diz que as coisa num gosta de ficá longe umas das outra. Se as coisa tivé muito longe, aí num tem jeito, mais porém, se a lonjura num fô demais da conta aí uma puxa a otra té elas ficá bem agarradinho, que dizê, si num tivé nenhum nada separano elas…
A lei da gravidade…
Ah!! Intão o sinhô sabe. Sabe tomem que tem uma que diz que, no mundo e pra mais de onde a vista arcança no céu, num pode tê frio sem calô, iscuro sem o craro, o bonito sem o feio…
Sei, só não sei onde você quer chegar.
Ni lugar nenhum não sinhô. Só proseano mode isquecê que a bicharadinha tá encheno eu de vazio.
Tá bom… mas antes que você vire um vazio só, me explique, por favor: o quê o ovo “foi falando”?
Num vê? Ele tomem tinha que ponhá tento numa das tar de lei. Si uma arve resorve isticá um gáio, pa banda de acolá, tem que ponhá uma raiz na merma dereção e no mermo tamanho pru mó de firmá o tronco.
O exemplo não é dos melhores mas você está falando da lei do equilíbrio.
Essa uma… e quando o que era só pensamento virô coisa, o ovo, que era coisa, tinha que dimudá em pensamento pru mó de o lugá dos pensamento num ficá vazio; ele dimudô e foi aí que ele foi falano, “ocê é o Sór, ocê é a Terra, cê é isso, é aquilo outro… e no que o Sór, a Terra, as istrêla e os aquilo outro tava tudo ispaiado por esses caminho sem fim do céu, o ovo feiz mais um decreto : “Agora ocês vai dançá catira, em roda uns dos outro, inté o dia de nos se juntá de novo…
Linda a história. Um modo lírico de explicar o surgimento do universo. Quem foi que lhe contou essa história?
No divera eu num sei. Capaz que o vento assoviando nas fôia da arve adonde eu nasci. Capaz que o plec-trec do fogo nas coivara de gaio verde; as veiz pode inté que o estrondo dos trovão se apoucando nas quebrada de serra. Mas porém, tô pra lhe dizê que, do cerne inté a casca, essa leréia dá uma sastifação na sua pergunta… num vê? O sinhô é o trísco de um císco que tava no ovo… é um grão no meio de um pó que ocês chama de humanidade. Cada um grão tem sua vidinha, ou a vida tá é no pó todo?
…!?!?