Potoca contada por “Z” na sessão de 10-11-1993 para ilustrar o tema “sabedoría”
Um velho, muito, muito,muito… Mas muito velho…Tão velho que era capaz de falar com as crianças como se fosse uma delas, estava sentado em uma pedra e, ao lado dele, um garoto se divertia com o voo “balançado” das borboletas, com a “pressinha miuda” das formiguinhas; umas indo com as anteninhas mexendo e outras vindo com folhinhas e pauzinhos.
De vez em quando rodelinhas de ondas cresciam na superfície do lago e se espalhavam em grandes rodelas partindo do ponto em que uma tilápia, ou carpa, saltava fora d’água para pegar o inseto desavisado que por ali passava, rente â superfície.
Uma série de rápidos e curtos assobios, começados em agudo de doer nos ouvidos e terminados no grave da corda grossa do violão, fizeram com que o menino se virasse rápido para o velho na espectativa de ouvir, de novo, o assobio.
“Mas”, pensou Lalinho, “não pode que foi o vô. O subio só pareceu que foi perto porque foi alto, mas tava longe. Deu até aquele ôco de eco de quando a gente grita na mata!”.
Pela cara intrigada de Lalinho o vô…
Vô porque era velho. Tão velho, mas tão velho que ninguem mais, nem ele mesmo, se lembrava do nome em que, um dia, estivera pendurada sua importância. Um nome que, um dia, escondeu-se atrás de um apelido, contou até vinte e, como ninguém o procurasse, acabou esquecido e então, a importância, tentando reencontrar o nome, entrou na gaveta dos documentos e demorou-se tanto lá dentro, a examinar certidões, que foi trancada a chave pela sabedoría.
Essa mesma sabedoría que lhe mostrava agora, na luminosidade daquele olhar, na marotice daquele sorriso e se espalhando por todo aquele rostinho redondo, a duvida que logo virou pergunta.
… Foi você vô?
Eu o que?
Que “subiou?
Não… Não fui eu não. Foi aquele passarinhinho.
Qual?
Aquele que tá naquela árvore.
Em onde?
Do lado de lá…
Do lado-de-lá de quê?
Daquela cêrca que tá prá lá da vala.
Aquela árvore grandona?
É, naquele galho, meio torto pra cima.
Ah! Já vi! Aquele cisquinho branco?
É.
(pausa)
“Piquinininho”. Né vô?
É.
(pausa)
Mas do jeito que piou deve ser fortão, né?
É
(pausa)
E deve ter o bico bem grandão, né?
Não. Se ele é pequenininho o bico tambem deve ser bem pequenininho.
Que tamanho?
Pequenininho assim ó… Disse o vô erguendo a mão e quase unindo o polegar ao indicador.
(pausa)
Repetindo o gesto, Lalinho perguntou; “Piquinininho assim” aqui, ou “piquinininho assim” lá?
Pequenininho assim lá.
Lalinho olhou as nuvens, olhou as novas rodelas do lago, olhou as formiguinhas no trilhozinho e quando olhou, de novo, o galho meio torto onde se empoleirava o “Cisquinho”, trazia ainda, empoleirada nos grandes olhos, uma dúvida:
E como é que ele come?
Abrindo bem, mas bem mesmo, o biquinho. E se voce não parar de fazer perguntas ele vem aqui, abre o biquinho e engole você, eu e o Caçarola duma vez só.
Hum… Fez o Lalinho e, com as fraldas da camisa esvoaçando, desatou a correr pela grama atrás da borboleta. O Caçarola , alegre com a correria, partiu correndo tambem e latindo à sua frente.
Erguendo-se e erguendo a voz, apesar do embevecimento proporcionado pela visão daquela criança correndo, descuidada e alegre, o velho, transformado agora em adulto, disse com firmeza:
Não chegue perto do lago!
Uma sombra de tristeza percorreu-lhe os sulcos do rosto e se alojou em seus olhos quando a correria, os latidos e o riso, foram levados para longe pelo som áspero da voz adulta que exigia obediência… Só não ficou lá, encobrindo-lhe as pupilas por muito tempo porque a correria, os latidos e o riso voltaram em sua direção e o velho, embora muito velho, e talvez por ser muito, mas muito velho mesmo, voltou a ser criança e, sentando-se na pedra, passou a esperar a outra criança e o Caçarola para, juntos, brincarem outra vez…